Notícias

Compositores explicam como nascem as canções e dão dicas para quem quer compor as suas

Por Folhapress 12/09/2023 10h10
Compositores explicam como nascem as canções e dão dicas para quem quer compor as suas
. - Foto: Reprodução / EBC

Bebês podem nascer nos hospitais ou em casa, passarinhos nascem dos ovos, e a girafa já quase sai andando depois que sua mãe lhe dá à luz. Mas, e uma canção, alguém aqui já viu nascer? Será que ela vem de ovos, sai de uma maternidade enroladinha numa manta, ou caminha sozinha logo depois de sair de dentro do compositor?

"A canção só nasce de verdade quando uma melodia encontra uma letra. O 'lá, lá, lá' ou os versinhos no caderno ainda não são uma canção. A melodia precisa encontrar a letra pra canção nascer", conta o compositor Marcelo Segreto, que canta no grupo Filarmônica de Pasárgada e também dá aulas de composição.

Marcelo é mestre e doutor pela USP (Universidade de São Paulo), onde pesquisa a composição de canções populares. As canções são aquele tipo de música que tem uma letra, ou seja, o tipo que dá para cantar junto quando se ouve tocar.

A compositora e cantora Adriana Calcanhotto, que durante muito tempo foi a Adriana Partimpim, acha que cada canção tem um caminho diferente para nascer. "Cada canção é uma, independentemente da compositora ou do compositor", afirma.

No caso dela, esse processo de nascimento das canções costuma ter letra e música surgindo juntas. Com Marcelo, o caminho até o grande encontro pode variar. "Às vezes a música nasce antes e depois eu vou encaixando as palavras. Às vezes, faço a letra e depois chega a música", conta.

"Eu pego o violão e vou cantarolando uma melodia sem letra, aquele 'lá, lá, lá', e começo a colocar palavras aleatórias nesse 'lá, lá lá', brincando de encaixar qualquer palavra que caiba na melodia. Aí vou percebendo que algumas palavras ficam boas naquela melodia e começo a pensar em outras palavras para completar a frase, e assim vai."

Marcelo explica que esse rascunho ainda sem letra se chama "letra monstro". Segundo ele, grandes compositores como Noel Rosa já faziam canções assim, quase cem anos atrás.

Com a letra monstro pronta, vem essa parte de inserir coisas nela. "Muitas vezes a gente não escolhe as rimas, são elas que escolhem a gente. É muito comum que uma frase que a gente cantava com 'lá, lá, lá' vire 'olha lá', outra que a gente cantava com 'ti, ti, ti' vire 'bem-te-vi', e uma que a gente cantava com 'pê, pê, pê' vire 'vem me ver'."

"Uma coisa importante de saber é que a gente começa com uma primeira ideia e a gente não deve nunca censurá-la. Mas isso não significa que a canção esteja pronta ali. Nunca se faz uma letra ou canção e, pronto, já se diz 'fiz' e não precisa de mais nada", opina.

Esse trabalho todo leva tempo e exige paciência dos compositores. Adriana lembra que Dorival Caymmi, famoso cantor e compositor baiano, chegou a levar 20 anos para fazer algumas das suas canções. "Isso não quer dizer que o compositor trabalhe todos os dias só nisso, sabe?", diz.

"Porque é importante trabalhar na canção, mas então deixá-la um pouquinho de lado e só depois retomar. O tempo vai passar e você vai olhar para aquilo de outra forma", sugere. É como se faz às vezes com massas de pão e biscoito na cozinha, deixando-as descansar para crescer e virar outra coisa.

DICAS PARA COMPOR SUAS PRÓPRIAS CANÇÕES

Tenha um gravador sempre à mão para registrar suas ideias;
Não confie na memória: grave tudo que achar legal;
Quando estiver sem o gravador por perto, anote a ideia em um caderninho;
Leia bastante poesia;
Escute muitas canções;
Brinque de encaixar palavras diferentes em vários ritmos;
Pratique bastante, se possível todos os dias;

"Não tocar um instrumento não te impede de fazer canções. Muitos sambas emblemáticos do nosso cancioneiro foram feitos batucando em caixinha de fósforo. Isso não é desculpa. Evidente que se você dominar um instrumento, ou ao menos arranhá-lo, melhor para sua composição. Quanto mais estudar música, mais ferramentas você vai ter", diz Adriana Calcanhotto.

A Filarmônica de Pasárgada, grupo de Marcelo, tem canções com letras bem engraçadas -tipo uma em que ele diz "Oh, que saudade da cidade de São Paulo/Da fumaça, do CO, do CO2 no meu pulmão/O ar do interior só tem mosquito e pernilongo/Que me pica, que me coça, que me causa irritação".

E isso de fazer humor na letra exige do compositor um trabalho diferente daquele que é preciso em canções com letras tristes. Marcelo diz que canções brincalhonas o fazem pensar mais sobre palavras boas para dar risada, enquanto para as reflexivas o foco fica em encontrar acordes melancólicos.